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Mulher relata batalha para voltar a andar após tentativa de feminicídio



Tinha 15 anos quando eu o conheci. Ele se mudou com a família para a casa em frente a minha, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Aos poucos fomos nos conhecendo... Começamos a ficar, namorar, nos casamos e fomos morar sozinhos na casa em que ele morava. 

Enquanto ele trabalhava em loja de sapatos, eu cuidava da rotina de casa: preparava a comida e deixava a casa pronta para quando ele voltassse. Tenho mania de limpeza, sou bastante caprichosa. Ele não fumava, não bebia, não usava drogas. Nunca havia sido agressivo. Os primeiros meses foram ótimos. 
Após três anos de casamento, começou a sentir muito ciúmes dos meus familiares, que sempre moraram perto da gente. Tinha ciúmes do meu pai, mas principalmente da minha mãe e da minha irmã. Um dia, me deixou trancada dentro de casa e saiu. Passei a não aguentar mais, decidi que teríamos uma conversa séria. 

Quando ele chegou do trabalho, disse que não suportava mais aquela situação. Ou ele mudava ou nos separávamos. Ele ficou muito nervoso. Mesmo. Disse que não mudaria. Então, eu disse que iria embora pela manhã, e ele me pediu um beijo. Ao me inclinar para beijá-lo, puxou uma faca de cortar carne do bolso para me atingir. Fiquei muito assustada, mas consegui lutar com ele até a arma ir parar embaixo do rack da sala de estar. Ele enfiou novamente a mão no bolso e tirou mais uma faca, só que em tamanho menor. 

Não tinha mais forças para lutar contra ele. Sou mulher, mais fraca. Me deu uma facada no queixo. Saiu bastante sangue e eu acabei desmaiando. Quando acordei, estava no colo dele. Falou que me levaria ao hospital caso eu não contasse que foi ele que me deu a facada. Porém, eu estava muito assustada com a situação e não consegui falar palavra alguma, o que o deixou mais bravo ainda. Ele virou meu corpo e me deu mais sete facadas, entre o pescoço e a nuca. 

Não desmaiei com os golpes. Senti meu corpo esquentar bastante, consegui falar e pedi para me levantar, o que ele fez. Me asfixou com o travesseiro e me arrastou até um poço que tinha no fundo do quintal da casa, de 7 metros e meio de profundidade. 

Eu costumava jogar folhas das árvores que caiam no quintal lá. Era fechado com uma janela veneziana. Ele abriu a janela, jogou meu corpo, que virou e caiu de barriga para baixo, poço abaixo. Fechou a janela. Eu conseguia falar, porém não respondi quando ele voltou ao local e ficou me chamando de "amor" algumas vezes. 

Tudo isso aconteceu por volta das 23h. Tinha certeza de que iria morrer. Fiquei a madrugada inteira acordando e desmaiando. Meu corpo pesava. Baratas subiam em mim. Um sapo urinou no meu rosto, o que me rendeu uma dermatite. Sentia muita sede. Sentia muito medo.

Quem chamou a polícia para me socorrer foi a mãe dele. Segundo a família, ele se arrependeu e contou para ela, que no começo duvidou da história. Ela foi até a residência checar e viu meu sangue no poço. A polícia fez a primeira perícia no local, examinaram o poço com a lanterna. 'Karina, se estiver ouvindo, mexa as mãos. Karina, pisque os olhos', eles falavam. Não conseguia responder. Estava muito ensanguentada e com os olhos abertos. 'Ela está morta', ouvi.
Eles ligaram para o IML, que não conseguiu vir rapidamente porque estavam em outro caso. Então, pediram para a polícia ir quebrando o poço, mas para irem devagar para que as pedras não caíssem no meu rosto para não estragar o velório. Deram até a notícia para a minha mãe. 

Um monte de pedra começou a cair em cima de mim. Aí pensei que, pelo menos, não iria apodrecer dentro do poço. Quando terminaram de quebrar, conseguiram virar o meu corpo de barriga para cima. Esperavam o IML chegar quando uma pedra caiu na minha mão e eu gritei. Nisso, só havia um funcionário perto de mim. Ele saiu gritando que estava viva. Comecei, então, a receber os primeiros-socorros. Fiquei lá 14 horas. 

Acordei dez dias depois, na UTI. Falaram que eu tinha apenas 1% de chances de sobreviver, perdi quase o sangue inteiro do corpo. Estava muito mal, havia pacientes morrendo ao meu lado no hospital. Cheguei a pesar 79kg de tão inchada que fiquei. As lesões atingiram um ponto importante da coluna vertebral, estava tetraplégica. 

Quando tive alta, um dos médicos disse ao meu pai que eu daria muito trabalho, que não iria mais conseguir andar e que poderia doar as minhas roupas. Outro médico também veio conversar e disse que havia, sim, uma pequena chance, que o processo era lento. Que precisaríamos ter fé. Os primeiros seis meses foram os mais difíceis. Dependia da minha mãe, das minhas irmãs para tudo, estava de cama. Sofri bastante, abalou muito o meu emocional. Comecei a fazer fisioterapia e, dois anos depois, consegui sentar e mexer os braços, deixando todos surpresos.
De cadeira de rodas, comecei a namorar e acabei engravidando. O médico achava que seria uma gravidez de alto risco, mas foi tranquila. Tive meu filho há dez anos, uma benção na minha vida, me ajuda em tudo. O relacionamento não deu certo, mas depois conheci a mulher da minha vida. 

Em março, completei sete anos de casada. Minha esposa me levou para realizar um tratamento no hospital Sarah Kubistchek, em Salvador, considerado um dos melhores para cadeirantes. Em duas semanas de tratamento, melhorei a caminhada com o andador. Agora, estou com um personal em casa para realizar os exercícios e voltar a andar. 
 Tive traumas psicológicos. Não conseguia ver uma faca, por exemplo. Esse medo, eu já consegui tratar, mas o de escuro, não. O poço era muito escuro. Preciso que a luz fique acessa. Esse trauma ficou. 

Meu ex-marido ficou preso por apenas 45 dias. Por ter residência própria e trabalho, foi determinado que me pagasse uma pensão de R$ 150 ao longo da minha vida, o que não foi aceito por minha famíla. Não sei mais dele. Eu o perdoei. Por causa dele, hoje tenho uma vida maravilhosa". 

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